E agora, Josés?

Por Jayme Serva

Ambos foram líderes estudantis dos mais importantes de seu tempo. Ambos amargaram exílio, por conta de perseguição política. Ambos voltaram ao país antes da promulgação da Lei de Anistia, um permanecendo clandestino, outro “semi-legalizado”, podendo viver abertamente no país, mas sem direitos políticos. Após a anistia, ambos assumiram a linha de frente em correntes políticas de oposição à ditadura militar.

Ambos tinham uma meta: chegar à presidência da República e conduzir o Brasil a dias melhores (cada um dentro de sua visão do que fosse isso). 2012 foi o ano em que a vida pública de ambos terminou, num igual e melancólico fracasso.

José Dirceu e José Serra vivem o epílogo de sua história amargando derrotas igualmente dramáticas — embora o destino de Dirceu se assemelhe ao enredo de uma tragédia, enquanto o de Serra se configure mais como um romance realista.

Não se pode negar o papel de ambos na travessia desse deserto que separava o Egito da ditadura da Canaã da plenitude democrática, os anos de transição entre a posse de Sarney e o impeachment de Collor de Melo. Cada um em uma estrada diferente, Serra e Dirceu foram diretores de cochia, sempre ajudando os atores protagonistas a levar o país a novos patamares de desenvolvimento, tanto político como econômico e social. Ambos esperaram pacientemente a sua vez de pisar o proscênio. Ambos chegaram a ser o mais importante ator coadjuvante. Ambos queriam o papel principal. A nenhum dos dois faltou luta.

O que faltou aos dois heróis da transição foi justamente um enredo vulgar, um roteiro folhetinesco, desses que acabam em casamento, no caso dos galãs, e no trono, no caso dos heróis. O que se configura, nas biografias de Serra e Dirceu, é pura literatura. Duas vidas como joguetes na pena de um autor inspirado, dois pescadores de Hemingway, dois Quixotes, dois Brás Cubas. É ainda possível que o epílogo de ambos se arraste por muitas páginas. É ainda possível que o enredo traga novas peripécias. Mas nenhum dos dois tem mais qualquer chance de ver a tão sonhada vulgaridade literária vir salvar suas histórias. Péssimo para eles. Um manjar para seus futuros biógrafos.

6 pensamentos sobre “E agora, Josés?

  1. Fernando Cals disse:

    Perfeita a análise e a dramática/quase quixotesca, trajetória e triste fim de ambos.
    Pra mim, suas carreiras politicas se foram, sendo que o Serra teve um epílogo mais barato, mais pobre. Até sinto alguma pena dos dois.
    Abração
    Fernando Cals

  2. jaymeserva disse:

    De certa forma, é a mesma pena que sentimos do Quincas Borba. Abração

  3. J.Octavio disse:

    Jayme, muito inspirada e rica essa tua análise, mas dentre todas essas referências apontadas não te parece que estamos prestes a finalmente dar um ponto final no fatídico Congresso de Ibiúna? Lá, se digladiavam as tendências que representavam os dois Zés e desde então – há 44 longos anos – parece que eles nunca pararam pra refletir se haveria possibilidade de trégua. Mesmo quando existia um inimigo comum era nítido que um só vislumbrava seu sonho de poder com a aniquilação do outro. O primeiro grande embate eleitoral entre ambos foi em 2002 – e o Lula era o estandarte do Zé Dirceu. É muito emblemático: tanta luta pra morrer na praia! E morrer abraçados! Pelo que ambos representaram, e por tudo que vislumbrávamos todos com o fim da ditadura, me entristece que acabe desta forma. O ponto positivo, se é que há, seria esse ponto final no Congresso de Ibiúna. Grande abraço

  4. Dirceu tinha o objetivo da presidência, mas acredito que asfaltou a estrada com material de segunda e com mão de obra da pior espécie. Um comportamento que só pode ser entendido como ‘esperteza’. Deu no que deu. Já Serra, sempre errou no planejamento da obra, escolhendo os piores coadjuvantes e as mais imprestáveis técnicas. Ficou no que ficou. Ambos erraram, o que de um lado é compreensível pelo aspecto do ser ‘humano’. Entretanto o que é incompreensível é terem defendido e usado de estratégias desonestas, no caso do Dirceu, e desacreditadas no caso do Serra.

  5. jaymeserva disse:

    Ery, o grande erro de ambos, acho, foi não entender que existem fatores “extra-campo”, existe a interferência do destino, o que faz a riqueza dos enredos — e a miséria de seus protagonistas.

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